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"Os jovens esperam que abril seja cuidado e regado, para que os cravos que o simbolizam nunca percam a sua cor ou a vejam esmorecer"

Discurso de Eduardo Figueiredo nas comemorações da Figueira da Foz dos 50 anos do 25 de Abril.

O que esperam os jovens de abril?

  Os jovens não estiveram lá naquele dia e naquele tempo. Não ouviram na rádio ‘E depois do Adeus’, de Paulo de Carvalho, nem ‘Grandôla Vila Morena’, de Zeca Afonso. Não assistiram à força imparável do povo nas ruas, nem ao gesto simbólico de Celeste Caeiro quando distribuiu cravos vermelhos e brancos pelos soldados, que logo os colocaram nos canos das suas armas. Não sentiram a alegria, o êxtase e a esperança correr-lhe nas veias, após décadas de um regime autoritário ditatorial de inspiração fascista, de polícia política, de “orgulhosamente sós”, de colonialismo e guerra, de opressão e repressão generalizadas.

Somos as netas e netos do 25 de abril. Somos as filhas e filhos da sociedade livre, justa e solidária de que fala a Constituição da República Portuguesa de 1976, a maior conquista da nossa democracia. A revolução corre-nos nas veias através dos nossos avós e dos nossos pais, dos amigos e amigas, dos vizinhos e vizinhas, dos desconhecidos que nos olham nas ruas e nos sorriem. Somos herdeiros das memórias, das cicatrizes, da coragem e da resistência. Fomos presenteados com a possibilidade de um futuro onde todas as pessoas podem atrever-se a florescer no seio de uma comunidade livre de iguais na sua diferença, onde a solidariedade é mais do que um valor e uma teoria, é uma praxis diária e um modo de vida.

É por isso que não esquecemos abril. Para os jovens, abril não é apenas um capítulo de um livro de história ou um inspirador romance que narra o caminho de libertação de um povo oprimido das amarras da pobreza, da exploração, do analfabetismo, do conservadorismo, do isolamento, da violência e da morte. Para os jovens, abril é o compromisso de que nunca mais alguém será submetido a tortura e a tratos cruéis e degradantes, como aqueles que tantas e tantos sentiram na carne, na sede da PIDE/DGS no coração de Lisboa ou nas prisões do Tarrafal ou de Caxias; que nunca mais alguém verá as suas liberdades básicas coartadas em nome de uma suposta razão ou ordem de Estado, como as proibições ad hoc de ‘ajuntamentos com mais de três pessoas’; que nunca mais alguém associe a cor azul ao lápis impiedoso da censura; que nunca mais nenhuma mulher casada necessite de autorização do marido para viajar para o estrangeiro ou para ter um emprego.

Para os jovens, abril é ter a certeza de que este tempo não volta e que as várias portas que abril abriu se manterão para sempre abertas... abertas não... escancaradas (!), pois foram tantas e tão importantes as conquistas de abril: o reconhecimento de que todas as pessoas são dignas e merecedoras de respeito, o sufrágio verdadeiramente livre e universal, a liberdade de reunião e manifestação, a liberdade de expressão e de informação, os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras, a liberdade sindical, o fim da família instrumentalizada em função do bel-prazer do “chefe de família”, o fim da discriminação legal entre filhos nascidos dentro e fora do casamento, a constitucionalização de um Estado Social que luta para que todos possam ter “paz, pão, habitação, saúde, educação”, como tão bem canta Sérgio Godinho. Para os jovens, abril é futuro – o único futuro que não se teme, o único futuro que se pode verdadeiramente apelidar de futuro e não de passado.

Mas os jovens sabem que abril não é eternidade, abril é uma responsabilidade de todos os dias. E os jovens sabem que, desde 1974, muito mudou no país, na Europa e no mundo. A abril, este abril que hoje cumpre meio século de vida, hão-de somar-se tantos outros, construídos permanentemente a partir da luta por um modelo de desenvolvimento que respeite os limites planetários e todas as formas de vida; da luta por condições materiais que tornam possível a emancipação dos jovens e de todas as pessoas e assegurem a sua liberdade; na luta pela saúde, pela educação e pela habitação; na luta por carreiras dignas e com perspetivas de futuro; na luta contra o conservadorismo e todas as formas de discriminação; na luta pela paz e pelo fim da ‘terceira guerra mundial aos pedaços’ a que hoje se assiste. E faça-se o mundo saber que os jovens não se demitem destas suas responsabilidades – eles estão aí, preparados para fazer todas as lutas, por si, pelos seus filhos, pelos seus netos e por aqueles que lhes seguirão.

O que esperam os jovens de abril?

Os jovens esperam que abril seja cuidado e regado, para que os cravos que o simbolizam nunca percam a sua cor ou a vejam esmorecer. Os jovens esperam que abril se cumpra, em todos os locais, em todos os momentos, para todas as pessoas. Os jovens esperam que abril se faça sentir de Melgaço a Faro; das ilhas nos arquipélagos dos Açores àquelas da Madeira; mas também em todos aqueles locais onde a sobrevivência é uma luta de todos os dias, onde tantas crianças e jovens veem a sua vida ser-lhes subtraída pela miséria, pela ganância, pela violência e pelo ódio. Os jovens esperam que abril se faça sentir hoje e amanhã, com a mesma força e o mesmo vigor, como legado que não sofre os efeitos desagregadores da passagem do tempo, mesmo quando tantos procuram, com todas as forças, decretar o seu óbito. Os jovens esperam que abril esteja aqui para todas e para todos: para os que cá estão e para aqueles que foram lá para fora; para aqueles que aqui chegam e para aqueles que se viram forçados a aqui chegar; para aqueles que nos são familiares e para aqueles que nos são estranhos – e, principalmente, para aqueles que nos são estranhos, pois abril não olha a géneros, a “raças” ou etnias, a orientações sexuais, a identidades de género, a deficiências, a fés e religiões, a condições socioeconómicas.

O que esperam os jovens de abril?

Os jovens esperam que estes 50 anos de abril se repitam por mais 50 anos, e por outros tantos depois disso. Os jovens agradecem a quem fez abril e nunca cessou de o defender e fazer cumprir. Os jovens comprometem-se a conservar abril como a sua mais preciosa herança e a nunca perder a esperança. A esperança que neste dia, há precisamente 50 anos atrás, venceu o medo. E o medo não voltará a vencer, pois cá estaremos para evitar que alguém logre voltar a furtar-nos a esperança.

Viva a Democracia, viva o 25 de abril!