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28 JUN/2019 - Intervenções bloquistas na Assembleia Municipal

No dia 28 de junho de 2019, realizou-se uma reunião ordinária da Assembleia Municipal da Figueira da Foz. No período aberto ao público, houve uma intervenção de Carla Marques (coordenadora da concelhia do Bloco) sobre "A Figueira da Foz e o Ambiente - O concelho livre de Glifosato" (texto em baixo). Durante a Ordem do Dia, Cristopher Oliveira (deputado municipal eleito pelo Bloco) apresentou uma Recomendação que foi aprovada por unanimidade. Assim, a Câmara Municipal vai deixar de usar progressivamente o glifosato, até final de 2020,

Intervenção de Carla Marques

A Figueira da Foz e o Ambiente - O concelho livre de Glifosato

"Exmo. Sr. Presidente da Assembleia Municipal, Sr. Presidente da Câmara, distintos Vereadores, digníssimos Deputados Municipais, caros concidadãos,

Foi com surpresa e mesmo consternação que assistimos à mudança de estratégia ambiental, no que se refere ao controlo das ervas infestantes. Se foi verdade que, no início do ano, assistimos e aplaudimos de pé as medidas de controlo manual e mecânico das ervas infestantes nos locais públicos, não foi menos verdade que, na primavera deste ano (2019) se verificou um recuo incompreensível nas boas práticas e, um pouco por todo o concelho, assistimos à aplicação de herbicidas. Entre nós, desde 2013, que existe no nosso ordenamento a Lei n. 26/2013 de 11 de abril, que transpôs a diretiva do Parlamento Europeu e do Concelho n. 2009/128/CE, regulamentando as atividades relativas à aplicação de fitofarmacêuticos. (como devem compreender, não vou ler todo o diploma, ele é extenso, pelo que vou apenas destacar o que neste ponto é relevante)

Dispõe o artº 32.o, no seu nº 3 “Em zonas urbanas e de lazer só devem ser utilizados produtos fitofarmacêuticos quando não existam outras alternativas viáveis, nomeadamente, meios de combate mecânicos e biológicos. O nº 4 refere que, nas aplicações de produtos fitofarmacêuticos em zonas urbanas e de lazer deve ser: alínea b) dada preferência aos produtos fitofarmacêuticos de baixo risco ou que apresentem menor perigosidade toxicológica, ecotoxicológica e ambiental e que não exijam medidas adicionais particulares de redução do risco para o homem ou para o ambiente, e a alínea e) Assegurado que são previamente afixados,de forma bem visível, junto da área a tratar, avisos que indiquem com clareza o tratamento a realizar, a data a partir da qual se permite o acesso ao local tratado, estabelecida de acordo com o intervalo de reentrada que, caso não exista indicação no rótulo, deve ser pelo menos de 24 horas, bem como a identificação da entidade responsável pelo tratamento.

Mercê da pressão e queixas da população, em 2017, através do decreto-lei nº 35/2017, o governo procedeu à primeira alteração da lei citada, prevendo um regime mais restritivo na utilização dos produtos fitofarmacêuticos, passando o artº 32º a ter a seguinte redação (foram incrementados novos números ao artigo): nº 5 “sem prejuízo do disposto no artº 31º (...) não são permitidos tratamentos fitossanitários com recurso a produtos fitofarmacêuticos: alínea a)

Nos jardins infantis, nos jardins e parques urbanos de proximidade e nos parques de campismo;

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b) nos hospitais e noutros locais de prestação de cuidados de saúde bem como nas estruturas residenciais para idosos; c) nos estabelecimentos de ensino. O nº 6 vai mais longe e determina: “A aplicação de produtos fitofarmacêuticos nos casos referidos no número anterior, apenas podem ser autorizadas nas seguintes condições:

Alínea a) “Quando comprovadamente, não se encontrem meios e técnicas de controlo alternativas, nomeadamente, meios de controlo mecânicos, biológicos, biotécnicos ou culturais.”

Aquilo a que assistimos, foi a utilização abusiva destes produtos. Veja-se que até então as invasoras eram controladas por via manual e mecânica, de resto, em conformidade com a lei em vigor. Não se compreende por que motivo se resolveu enveredar por uma prática ambiental nociva, em total desrespeito pela lei.

Assistimos, em matéria de aplicação, por exemplo, a aplicadores que usavam os devidos meios de proteção individual, é certo, a aplicar nos passeios, com transeuntes a circularimediatamente atrás, no mesmo passeio; em matéria de avisos, houve atropelos de todo o tipo: houve situações em se colocavam os avisos ao mesmo tempo que faziam a aplicação, desrespeitando o dever de afixação previa; houve casos em que nem sequer afixaram avisos, optando por ignorar a obrigatoriedade; as que o fizeram, algumas delas pecaram por defeito, não enunciando o produto aplicado; as que publicitaram e indicaram o produto aplicado, informaram que foi o herbicida “Montana Sapec”.

Numa consulta através da internet ao tipo de produto, verificamos que se trata de um produto com 31% de glifosato na sua composição. Se consultarmos a ficha de segurança do mesmo, verificamos que se trata de um produto tóxico, de perigosidade crónica para o meio ambiente aquático. (talvez agora se perguntem: mas se a aplicação é feita em terra, nos passeios e bermas, como pode haver riscos para o meio aquático? É que os rios começam nos bueiros, nas caixas com grelhas que encontramos junto a esses mesmos passeios) Mas não se fica por aqui, a referida ficha de segurança refere que é de toxicidade aguda para peixes, invertebrados aquáticos, algas e abelhas.

Não sei se já reparam, mas estamos a assistir a uma extinção em massa; de acordo com estudos científicos, cerca de 40% dos insetos estão em risco de extinção. Quantas joaninhas os aqui presentes avistaram este ano, por exemplo? Eu posso responder por vós, eu avistei uma ou duas... Isto constitui uma ameaça séria para todo o ecossistema. Isto é sério!

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Nos locais onde, pelo menos, foram afixados os avisos, os donos dos animais domésticos, podem afastar os mesmos, mas, e pergunto, e quanto aos animais errantes? Recordo os aqui presentes que não existem animais errantes sem que a causa seja o homem, alguém os abandonou e os desgraçados acabaram por se reproduzir...

Quanto à questão da perigosidade do glifosato para a saúde humana, creio que é já sobejamente conhecido o seu risco, mas ainda assim, devo chamar a atenção para os aqui presentes para a declaração que a Agência Internacional para a Investigação sobre o Cancro da Organização Mundial de Saúde (IARC-OMS) fez em 2015, tendo identificado o glifosato como “carcinogéneo provável para o ser humano”, depois de ter estabelecido a relação entre a exposição a  herbicida e o Linfoma não-Hodgkin.

Na realidade portuguesa, os números relacionados com o Linfoma não-Hodgkin não deixam margem para dúvidas: este tipo de cancro de sangue é dos cancros que mais se regista em Portugal, com cerca de 1.700 novos casos por ano.

Sei que este apelo que aqui faço encontra recetividade junto do Executivo municipal, mas não chega, é necessário um esforço conjunto, por isso lanço este apelo. Procedam de forma unanime, através das vossas próprias responsabilidades nas diferentes freguesias onde atuam, ao afastamento destas más práticas ambientais. Juntos conseguimos melhorar a vida de todos. Esta é uma luta que tem de ser feita diariamente, com o contributo de todos, para benefício de muitos, porque não queremos nem um grau a mais, nem uma espécie a menos!

Muito obrigada pela vossa atenção."